PSDB desmonta a TV Cultura

Por Altamiro Borges, Blog do Miro
“Na semana passada, a TV Cultura anunciou a demissão de mais 50 funcionários e novos cortes na sua grade de programação. Com isso, a gestão desastrosa de João Sayad promove o maior desmonte da história da emissora, que já foi uma das mais importantes tevês educativas do país. Ao mesmo tempo, os tucanos impõem uma linha totalmente partidarizada à TV Cultura, inclusive cedendo espaços “nobres” para veículos de direita – como Folha e Veja – na sua programação.

Entre os programas que sofrerão “reformulações”, segundo a direção da emissora, estão dois de reconhecida qualidade. No caso do “Metropólis”, o apresentador Cadão Volpato e o diretor Ernesto Hypólito já foram dispensados. Já o programa  “Grandes Momentos do Esporte“, com 28 anos de existência e uma das melhores marcas de audiência da emissora, será transformado num quadro do esportivo “Cartão Verde”. Um dos seus editores, Vicente Lomonaco, também foi demitido.

Partidarização da emissora

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) criticou os novos cortes na emissora. Para José Augusto Camargo (Guto), presidente da entidade, “a notícia causou estranheza. Demitir funcionários com a justificativa de que não estão em função adequada enquanto novos programas de televisão são lançados parece não ter lógica. É inadmissível que estas demissões ocorram no mesmo momento em que várias frentes de trabalho são abertas”.

A estranheza decorre do fato da TV Cultura ter negociado recentemente a “parceria” com as empresas privadas de comunicação Abril e Folha da Manhã – que editam a Veja e a Folha. Nem os membros do Conselho Curador da emissora conheciam esta negociata. O acordo só se tornou público graças às denúncias da blogosfera e das redes sociais. Os tucanos demitem e desmontam a emissora pública e, ao mesmo tempo, presenteiam veículos privados – reconhecidamente de direita. É um absurdo, um crime!”

Para Haddad, PSDB é bola de ferro que prende país pelos pés

Por Carta Maior

 

Para Haddad, PSDB é bola de ferro que prende país pelos pés
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Fernando Haddad, pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo não subestima o trabalho que terá para tentar romper a hegemonia do PSDB na capital paulista. “São Paulo tem um pensamento conservador muito consolidado (…). Se optar pela renovação, no entanto, irradiará rapidamente essa tendência para o país. O Brasil poderia mais, não fosse a âncora conservadora do PSDB de São Paulo. Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país”.

Maria Inês Nassif

São Paulo – Estreante nas lides eleitorais, o pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PT, Fernando Haddad, entra na disputa com as vantagens e desvantagens de ser um nome novo. A vantagem óbvia é não apenas o apoio, mas o comprometimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com sua candidatura – Lula articulou intensamente para que o PT paulistano o assumisse como candidato e será fundamental no processo eleitoral. Isso, o ex-ministro reconhece, é o mais importante. “Lula é (…) uma personalidade que tem a força e a frequência de um cometa, aparece a cada 70 anos”.

Haddad tem também o apoio da presidenta Dilma Rousseff, e muito menos a perder do que o possível candidato do PSDB à prefeitura, José Serra. “A perda dessa eleição, no caso do nosso adversário, seria uma derrota dura”, afirmou Haddad, em entrevista exclusiva à Carta Maior.

As desvantagens de sua candidatura são óbvias: um nome desconhecido, para ser apresentado ao eleitorado da maior metrópole da América Latina, precisa contar com os meios de comunicação de massa – e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) subtraiu essa oportunidade do PT, ao punir o partido com a proibição de veicular o horário de propaganda partidária. O PT foi condenado por usar o programa partidário para propaganda eleitoral no ano passado. Os demais partidos terão horário no primeiro semestre; Haddad ficará de fora até o início oficial do horário de propaganda eleitoral gratuita, que começa apenas em agosto.

A outra dificuldade também é a amarração de apoios à sua candidatura. Haddad garante que o único interesse do ex-presidente Lula no apoio à coligação com o PSD foi a filiação de Henrique Meirelles. “Se o Meirelles tivesse ido para o PMDB, o Lula iria atrás”, afirmou. “A hipótese de uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava”. Na avaliação do candidato, mais importante do que o apoio do PSD é manter o PT unido em torno de sua candidatura e fechar com os tradicionais aliados petistas – o PSB, o PDT e o PCdoB. A pesquisa eleitoral feita pelo Datafolha, divulgada no início do mês, que o colocou como lanterninha das pesquisas, dificultou as coisas. “As pesquisas foram mais importantes no jogo de barganhas do que propriamente no ânimo das pessoas envolvidas com a minha candidatura”, afirmou. “Aumentou o preço?”, pergunta a repórter. “Não é isso”, responde Haddad, rapidamente. Apenas os partidos postergaram as conversas, deixaram o acordo para depois, diz ele. “Mas nem sempre os apoios levam à vitória”, relativiza.

O pré-candidato petista não subestima o trabalho que terá para tentar romper a hegemonia do PSDB na capital paulista. “São Paulo tem um pensamento conservador muito consolidado (…) que sempre dá peso muito forte para qualquer plataforma do establishment”, analisa. Se optar pela renovação, no entanto, irradiará rapidamente essa tendência para o país. O Brasil poderia mais, não fosse a âncora conservadora do PSDB de São Paulo. “Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país”, concluiu.

Abaixo, a íntegra da entrevista do ex-ministro Fernando Haddad à Carta Maior:

CARTA MAIOR: O PT assimilou sua candidatura?

FERNANDO HADDAD: Acredito que sim. O processo foi muito bem conduzido e elogiado internamente. É curioso o argumento de que as prévias no PT não ocorreram por pressão. No PT, sempre teve pressão e sempre teve prévias. O Lula já perdeu prévias dentro do PT apoiando um candidato, já ganhou, ele próprio já enfrentou prévias. Isso é da cultura do partido. Óbvio que todo mundo sabe que isso tem consequências, mas ninguém abdica de disputar prévias quando entende ser o caso. A verdade é que, no final do processo, nós contávamos com o apoio da maioria dos militantes. Colhemos mais de 20 mil assinaturas para inscrição, quando eram necessária apenas 3 mil. Nós tínhamos o apoio de 7 dos 11 vereadores. O processo estava muito avançado.

CARTA MAIOR: O maior desconforto foi o namoro com o prefeito Gilberto Kassab?

HADDAD: Não chegou a ser namoro porque sequer houve uma aproximação formal. O que houve foram duas ou três conversas com dirigentes do PSD sobre uma remota possibilidade de o partido me apoiar – o que ocorreria se, e somente se, o [José] Serra [PSDB] não saísse e o PSDB se recusasse a apoiar o Afif, que era um cenário pouco provável. Eu sempre disse, desde que o assunto ganhou os jornais, que nós éramos a terceira prioridade do prefeito, que antes vinham o Serra e o Afif, e que a nossa prioridade é outra, são os partidos da base aliada do governo Dilma. Sempre ficou claro que ele [Kassab] iria caminhar para um lado e nós iríamos caminhar por outro.

CARTA MAIOR: O PT valorizava essa possibilidade, numa estratégia de romper a hegemonia do PSDB junto à classe média conservadora paulistana?

HADDAD: O interesse no PSD, ao meu ver, tem muito mais a ver com a filiação do [Henrique] Meirelles [ex-presidente do Banco Central], que foi ministro do governo Lula por oito anos. O presidente [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva] considerou que essa seria uma chapa interessante, complementar. Desde a vitória de 2002, quando compôs a chapa com José de Alencar [empresário e então filiado ao PL], isso sempre contou nas reflexões de Lula sobre a composição de chapa. Ele entendia que o Meirelles tinha um perfil muito interessante. Se Meirelles tivesse se filiado ao PMDB, Lula também iria atrás de uma composição. Nas conversas que tive com o presidente, a hipótese de ter uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava.

CARTA MAIOR: O Lula, então, não forçou a barra para uma aliança com o PSD?

HADDAD: Não, de forma alguma. Ele até recomendou cautela, com medo de que isso não fosse compreendido.

CARTA MAIOR: E o apoio dos pré-candidatos do PT que desistiram da prévia?

HADDAD: Acho que é muito importante o partido estar coeso em torno da campanha e nós todos em campo – o presidente Lula, Marta e todos do partido. Mas eu não reduziria a questão a isso. Há um conjunto de problemas a serem enfrentados. Nós fomos muito prejudicados pela questão da TV e praticamente não teremos inserção no primeiro semestre. Todos os outros partidos terão. Isso traz um prejuízo enorme para um estreante, que nunca disputou uma eleição, nunca teve programa de televisão. Nós temos que lidar com isso.

CARTA MAIOR: Como?

HADDAD: Nós estamos formulando programa de governo e circulando os bairros para colher subsídios. São dois dias de estudo fora do escritório, nos bairros, e três dias de estudo interno, em que eu recebo técnicos e acadêmicos para colher dados para a elaboração do programa – que, para a minha surpresa está indo bem demais. Acho que nós vamos chegar num diagnóstico e numa formulação para apresentar à cidade que seguramente até maio.

CARTA MAIOR: Você tem um diagnóstico preliminar da cidade?

HADDAD: Acho que os erros cometidos já estão diagnosticados. Por exemplo, no caso dos transportes, é evidente que não houve uma aceleração das obras do Metrô, apesar do aumento de investimento. Houve aumento de custos: o dinheiro adicional só serviu para pagar mais a mesma coisa, os mesmos dois quilômetros todo ano. Todo o sistema de transporte foi relegado a segundo plano: o Metrô está muito aquém do que o de qualquer outra metrópole, houve o abandono do sistema de ônibus e não se tem a compreensão de que São Paulo precisa de um sistema multimodal. E falta parceria com o governo federal. A adesão ao PAC Mobilidade traria muitos recursos para São Paulo, mas se dinheiro não chegou, foi por falta de interesse local.

CARTA MAIOR: A moradia de baixa renda hoje é um problema?

HADDAD: É um grande problema. São Paulo teve o pior momento nesse quesito. Nunca se produziu tão poucas moradias populares na cidade de São Paulo. Qualquer gestão, de direita ou de esquerda, não importa, produziu mais moradias do que as construídas nos últimos sete anos. Hoje a estimativa é de que 20 mil famílias estejam recebendo Bolsa Aluguel, mas sem perspectiva de casa própria, e logo deixarão de receber esses recursos porque existe um limite a partir do qual, por lei, a cidade não pode continuar pagando. Não há ofertas de moradias populares em São Paulo e a remoção de famílias de moradias precárias, em áreas de manancial e áreas de risco, deveriam ter sido combinadaa com um programa de construção de moradias, como o Minha Casa, Minha Vida. Isso não aconteceu.

CARTA MAIOR: Quais são suas vantagens em relação ao Serra?

HADDAD: Serra não fez uma reflexão sequer sobre a cidade quando disputou a prefeitura de São Paulo. Até porque estava de passagem, ele não se debruçou sobre as questões urbanas. Aliás, ele não tem reflexão sobre as questões urbanas. Como candidato que disputou cinco das últimas seis eleições, acho muito provável que ele tenha pretensões, se eleito, de disputar 2014. Estará de novo de passagem. E a cidade fica sempre como um degrau, um apoio para outras pretensões. São Paulo não suporta mais isso.

CARTA MAIOR: A questão é estar de passagem ou capacidade de pensar a longo prazo?

HADDAD: Na verdade, mesmo quando nós levamos em consideração a experiência do Serra no Ministério do Planejamento, nota-se que não se trata de uma pessoa que lida com facilidade com o planejamento. Ele não soube elaborar um plano plurianual. Isso era tarefa dele e quatro anos depois nós tivemos uma restrição de energia elétrica que foi a maior da história do país. Não houve planejamento de longo prazo lá e não haverá cá. Sem planejamento não se muda nada que é estrutural; muda-se a conjuntura, mas não a estrutura das coisas. É só comparar o que foi feito no setor elétrico por ele e pela Dilma [como ministra de Lula].

No caso do Plano de Desenvolvimento da Educação, que está até hoje em vigor, fizemos planejamento até 2021. Quando assumi o MEC, no segundo mandato do presidente Lula, lançamos um plano com metas delineadas até 2021 e dificilmente alguém vai revê-lo. Na cidade, não se sabe o que vai acontecer, não sabe sequer o que está acontecendo hoje [dia 5, segunda, início da greve de caminhões que terminou dia 8, quinta]. Durante a gestão de Marta Suplicy, eu trabalhava com [João] Sayad [na secretaria de Finanças]. Começamos a desenhar o que seria São Paulo dali algumas décadas: o sistema de transportes, a questão dos resíduos sólidos, iluminação pública, educação com os CEUS, tudo isso foi pensado estruturalmente, mas muitas dessas coisas foram abortadas a partir de 2004.

CARTA MAIOR: Como você interpretou a pesquisa Datafolha do início do mês?

HADDAD: Apesar de cientista político e acompanhar até com interesse as pesquisas, não consigo me sensibilizar com elas tanto tempo antes da eleição, sobretudo porque é a minha primeira eleição. Nessas alturas, elas têm muito mais impacto no jogo de barganha (o aliado pergunta, “o que garante que você vai estar bem daqui a seis meses?”) do que propriamente no ânimo das pessoas que estão envolvidas na minha candidatura.

CARTA MAIOR: As pressões aumentaram?

HADDAD: Não há pressão. Apenas as pesquisas postergaram alguns acordos.

CARTA MAIOR: O preço aumentou?

HADDAD: Não, não é isso. Na verdade, as pesquisas interditam as negociações por mais tempo. É um jogo de adiar, deixar as conversas para depois. Mas, enfim, o PT já concorreu sozinho, já concorreu coligado, já concorreu com chapa pura, já concorreu com um amplo espectro de apoio. E nem sempre o apoio leva à vitória. Em 2002, o presidente Lula não tinha tantos aliados e ganhou as eleições. Compôs depois com outros partidos, porque a democracia tem três turnos: o primeiro, o segundo e o governo. Em algum momento, ou nas eleições ou depois da posse, vai ser preciso fazer um acordo.

CARTA MAIOR: É uma tarefa possível quebrar a hegemonia do PSDB em São Paulo?

HADDAD: Aqui em São Paulo, essa é uma tarefa difícil em qualquer hipótese. Há aqui um pensamento conservador muito consolidado, historicamente saturado, que dá sempre um peso muito forte para qualquer plataforma do establishment. O candidato do establishment sempre vai ter muito apoio. É difícil romper o conjunto de forças midiáticas e econômicas que se une em torno do status quo.

CARTA MAIOR: Qualquer estratégia passaria pela sensibilização de parcela desse eleitorado?

HADDAD: Sim, e se isso acontecer abre-se caminho para a renovação. A conservação e a inovação sempre estão em jogo no Brasil. O governo do presidente Lula foi caracterizado pela inovação – teve erros e acertos, mas sempre inovou, em todas as situações: da política externa à política educacional, da moradia popular à reforma agrária, da política de crédito ao acúmulo de reservas cambiais, enfim, sempre fez coisas diferentes dos seus antecessores. Em São Paulo, o ritmo é sempre o da conservação. A metáfora dos dois quilômetros de metrô por ano dá a medida do que estou dizendo: serão necessários 65 anos para chegar ao que é hoje o metrô do México – mais de seis décadas para que cheguemos ao caos do México – no ritmo atual do governo do Estado. E não há uma indignação em relação a isso. As pessoas vão parando, demoram duas a três horas por dia se deslocando e as coisas vão sendo empurradas, sem que se discuta alternativas.

CARTA MAIOR: A quebra da hegemonia do PSDB em São Paulo mudaria muito o perfil político do Brasil?

HADDAD: Acho que mudaria. Primeiro, porque a alternância no poder é sempre boa – e nós não temos tido alternância. No Estado, o governo está com o PSDB há 20 anos. Isso não oxigena a máquina. Não é possível se reinventar o tempo todo. Outra coisa é que houve um sopro de renovação no Brasil que varreu boa parte do Nordeste, pensando em Jaques Wagner, Marcelo Déda, Eduardo Campos, Cid Gomes, para citar alguns; chegou ao Rio também: na minha opinião, Sérgio Cabral é uma boa novidade. É uma geração com ideias novas, com vontade de colocar o Brasil numa outra rota, de pensar o país grande. Aqui, o peso de uma renovação seria ainda maior. Se São Paulo irradiasse o novo, isso teria um efeito muito grande sobre o país. Hoje, São Paulo está estagnado. Se você pegar qualquer livro ou artigo sobre desenvolvimento nacional, o Brasil vai ser referência, mas se o livro for sobre metrópoles, São Paulo não é citado, a não ser pelos problemas que enfrenta.

Na gestão da Marta, as pessoas vinham conhecer o bilhete único, os CEUs, os corredores de ônibus. Estava começando um processo de rejuvenescimento da cidade, como Nova York, Santiago e Bogotá viveram, como Curitiba ao seu tempo, e como cidades na Ásia, sobretudo na Índia e na China, estão vivendo. Hoje, São Paulo tem pouco a ensinar, porque foram oito anos de muita calmaria, muito dinheiro arrecadado e pouco impacto na qualidade de vida da população. Da porta para dentro de casa o paulistano reconhece que sua vida melhorou, em função do que o governo Lula propiciou, mas da porta de casa para fora, onde o cara depende do poder local a vida ficou mais dura.

CARTA MAIOR: Qual a mensagem que você teria para todos os paulistanos? O que sensibilizaria a cidade como um todo? A questão da mobilidade?

HADDAD: A questão da mobilidade sem dúvida, que é onde o poder público está devendo demais. Há estagnação de investimentos. O ritmo de obra não vai dar conta. E a tendência, se o Brasil continuar crescendo, é piorar, porque as pessoas vão cada vez mais migrar para o transporte individual. Se o transporte público não responder, o cidadão vai dar a resposta, comprando um carro, uma moto, e resolvendo individualmente um problema que teria de ser resolvido de forma coordenada. É uma questão de vaso comunicante: melhorou a renda, comprou um carro. E vai tudo parando. O que está acontecendo do ponto de vista econômico é isso: as pessoas estão ganhando mais e saindo do transporte público por falta de anternativa. Isso vai continuar acontecendo se nada for feito e pouco está sendo feito na direção correta.

CARTA MAIOR: Este é o centro de seu programa?

HADDAD: Não. Considero que uma visão estratégica é fundamental. São Paulo não tem uma visão de longo prazo sobre si mesma. Nós temos um problema gravíssimo de centralização de serviços e oportunidades econômicas que não foi enfrentado até hoje. A cidade é uma megalópole com 31 subprefeituras esvaziadas do ponto de vista de poder resolutivo. A oferta de serviços públicos não é uniforme. Existe um problema de logística na cidade que não envolve só transporte, mas o investimento que está sendo feito. Não há uma política de descentralização e isso agrava o problema.

CARTA MAIOR: Que papel que o Lula vai ter nessa eleição? Você seria uma candidatura viável sem o Lula?

HADDAD: Essa pergunta é difícil de responder quando dirigida ao PT, imagina dirigida a mim. O Lula é um político único. Desde os meus 15 anos de idade, tudo o que vejo acontecer na política nacional está relacionado a ele: se vai ter eleição direta ou não, se vai ter constituinte exclusiva ou não, se vai ter reeleição ou não. A política toda gira em torno dele desde final dos anos 70 vai continuar girando. É a liderança em torno da qual orbitam os demais interesses. Falar do Lula é falar de uma personalidade que tem a força e a frequência de um cometa, é uma vez a cada 70 anos. Quem me convidou foi ele. Ele me sondou numa conversa em que eu disse que pretendia deixar o governo federal e voltar para São Paulo. “Olha, se você precisa renovar, vamos enfrentar São Paulo.” Lula me perguntou se eu queria – e respondi seria uma experiência extraordinária. Eu me encantei com a ideia de fazer uma gestão em São Paulo com a visão de longo prazo que São Paulo não tem, apesar de sua dimensão.

CARTA MAIOR: Você acha que os dois governos Lula serviram para quebrar aqui em São Paulo essa resistência ao prório Lula?

HADDAD: Nós temos que admitir: depois de oito anos de Lula a presidenta Dilma perdeu a eleição na cidade, mas ampliou em relação à eleição de 2008, em que a Marta teve 36%. Antes já havia ocorrido um refluxo. Nós ganhamos a eleição de 2000 na capital, ganhamos em 2002 e perdemos em 2004. Fizemos 39,5% em 2008, e em 2010, 46,5%. Se não fossem alguns episódios, a Dilma teria feito mais de 50%.

CARTA MAIOR: Você acha que existe uma medida preventiva contra uma onda conservadora? O episódio do kit gay foi um ensaio, não foi?

HADDAD: Esse é o típico não assunto: a liberação de uma emenda ao orçamento e a entrega de um material que foi considerado inadequado e não foi distribuído. Resume-se a isso o episódio. Escreveu-se mais do que isso do que o aumento da qualidade da educação no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), ou a expansão da educação profissional, ou a expansão da educação superior. Está tudo melhorando na educação, mas se passa meses discutindo um não evento. É incrível a capacidade da mídia de pautar não problemas, não assuntos, não eventos. A população não é informada do que é estrutural e realmente relevante.

CARTA MAIOR: É factível para o PSDB assumir um discurso agressivo, udenista, nessas eleições? O livro “Privataria Tucana” não pode inibir esse tipo de discurso?

HADDAD: O quanto a pessoa está disposta a perder o verniz é proporcional ao desespero de perder a eleição. E digamos que perder essa eleição, no caso do nosso adversário, representaria uma derrota dura. Eu não me surpreenderia se forças obscurantistas fossem mobilizadas, se o quadro lhe retirar o favoritismo que todos dizem que ele (Serra) tem. Daí o desespero bate. Nem todo mundo tem elegância ao participar do jogo eleitoral.

CARTA MAIOR: E você vai ser elegante?

HADDAD: Vamos pegar o caso do presidente Lula. Ele foi atacado várias vezes, teve material para pagar na mesma moeda e sempre abdicou disso. São conhecidas as histórias em que o presidente Lula foi sondado sobre se usaria determinada informação, e ele disse que não. Algumas são públicas. Por exemplo, quando se imaginava que o PT pudesse usar o suposto caso do filho do ex-presidente Fernando Henrique e o presidente Lula respondeu para o seu interlocutor que se dependesse disso ele preferia não ser presidente da República. E sofreu esse tipo de ataque em 1989, de envolvimento de assuntos de sua família na campanha, e nunca revidou. Existem perfis de candidatos. A presidenta Dilma também preferiu ir para o debate político.

CARTA MAIOR: Você acha que ganhar essa eleição é importante para a quebra da hegemonia do PSDB no Estado?

HADDAD: Eu entendo que o Brasil não vai voltar a ser o que era nunca mais depois dos oito anos do presidente Lula com a continuidade. A cada eleição se consolida um patamar de exigência diferenciado. Hoje o Brasil é um país mais crítico, mais democrático, mais reflexivo, mais exigente. O Nordeste nunca mais vai ser o mesmo, com a superação de uma realidade de poder daquelas oligarquias atrasadíssimas. Eu não tenho dúvida de que o Brasil poderia mais, se não fosse essa âncora conservadora [em São Paulo]. Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o país. E nós já deveríamos ter perdido o medo de avançar, porque depois que você avança e vê que é bom, deveria querer mais, mas ainda tem gente indisposta com o progresso, com o desenvolvimento humano.

Está mais do que provado que quando há combate de desigualdade todo mundo ganha. A visão de que está tudo ruim porque agora todo mundo anda de avião, e os aeroportos estão lotados, é errada. O mesmo empresário que reclama dobra o seu lucro no seu negócio, porque as pessoas compram mais. E tem um despertar para várias coisas. As pessoas vão ter de se habituar com isso. O Brasil ultrapassou a China em taxas de escolaridade. A escolaridade média é similar aqui e na China, mas na velocidade de aumento foi diferente. Nos últimos 10 anos, o Brasil passou de 3,5 milhões de universitários para 6,5 milhões. E pessoas educadas são diferenciadas, não apenas porque ganham mais, mas porque se colocam de forma diferente em relação à sociedade.

Temos que nos habituar a isso. Hoje muitas pessoas até fazem trabalho doméstico, mas esse tipo de atividade é usado como uma escala para os que estão estudando, estão fazendo um curso técnico, uma faculdade, e dali a pouco já estarão em outra atividade. A transformação social é muito visível. Mudou o perfil do trabalhador. O problema não é lavar pratos, mas passar a vida inteira lavando pratos. Não pode um indivíduo pagar por toda a espécie

Está difícil para todo mundo em São Paulo

Uma derrota em São Paulo pode levar o PSDB a uma longa agonia terminal. A campanha não será um passeio para ninguém. Se insistir no preconceito e no moralismo, como em 2010, Serra pode conduzir a disputa para o esgoto. Ao mesmo tempo, o PT começa a batalha acuado entre a confusão e a defensiva.

Gilberto Maringoni

Não é nada fácil a vida dos candidatos a prefeito de São Paulo.

José Serra não tinha outro caminho a não ser entrar na disputa. Aliás, o PSDB não tinha outro caminho na não ser ter Serra como candidato. Aliás, O PSDB nacional não tinha outro caminho a não ser chamar Serra para o ringue paulistano.

Não é apenas ele, pessoa física, que faz do embate em outubro próximo a última chance de continuar na ribalta. A crise que mina o PSDB e a parcela da direita brasileira que decidiu ficar na oposição só pode ser estancada com uma vitória em São Paulo. Se o partido perder a maior prefeitura do país, não é Serra que ficará sem palanque em 2014. É o tucanato e seus aliados que serão espremidos entre 12 anos de gestão petista no plano nacional e uma administração municipal que receberá toda a atenção federal possível.

Tirando o PT, o PCdoB, o PSOL e o PSTU – partidos que têm forte presença nos movimentos sociais – nenhuma agremiação brasileira sobrevive fora do Estado. Uma derrota dos tucanos nessa situação pode depená-los em uma lenta agonia terminal.

Por isso não apenas a vitória é decisiva, como a campanha de Serra representará a nacionalização da batalha paulistana. É o terreno mais favorável a ele, pois tirará de cena a gestão Kassab, muito mal avaliada pela população.

Quase aposentado

O ex-governador chegou ao final de 2011 como uma figura próxima à aposentadoria. Isolado pelo governador Geraldo Alckmin, desqualificado publicamente pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista à revista Economist e acuado politicamente pela saraivada de denúncias contidas no bestseller A privataria tucana, o futuro político de Serra não era nada animador. Quatro postulantes já se engalfinhavam pela vaga de candidato a prefeito a ser decidida nas prévias do PSDB.

Um golpe fatal poderia ser dado pela instalação da CPI da Privataria, iniciativa do deputado Protógenes Queiroz. Mas a pá de cal viria com a adesão quase certa de seu principal afilhado político, Gilberto Kassab à coligação petista na capital.

Quando a situação virou? É possível que Serra tenha se animado ao ter a certeza que o governo federal não moveria uma palha para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito. Ao que parece, o Palácio do Planalto temeu desagradar aliados, que participaram do processo de vendas das estatais, nos anos 1990. Isso fica patente em uma declaração do ex-líder da bancada do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira, no final do ano passado, justificando não apoiar a instalação da CPI. Disse ele: “Enquanto parlamentar, pensando apenas no meu mandato, teria assinado tranquilamente o pedido de abertura da CPI. No entanto, enquanto líder da maior bancada de sustentação do governo, assumi uma atitude cautelosa, pois durante todo este ano orientei os parlamentares da bancada para que não assinassem pedidos de CPI que pudessem ser identificados como instrumento de luta política. (…) Preservei a instituição da liderança, a relação com outros partidos da base e a postura republicana do governo, que não esta interferindo de nenhuma maneira no processo legislativo”.

Ou seja, Teixeira, um homem íntegro, resolveu não botar a mão num vespeiro “com outros partidos da base” e não fazer “luta política”. Como se não houvesse luta política no Congresso…

Quem mais ganhou com isso foi, logicamente, José Serra.

Mas a vida está dura para o candidato tucano. Além de ter de acomodar potenciais aliados na composição da chapa majoritária, Serra terá que quebrar a imensa rejeição que acumulou por força de sua saída na metade do mandato de prefeito, em 2008.

Batata quente

Do lado petista, a tarefa imediata é consertar os estragos causados pela desastrada tentativa de aliança com Gilberto Kassab. O prefeito de São Paulo, espertamente, colocou em prática sua máxima de que “não é de esquerda, nem de direita e nem de centro”. Ou seja, tem licença para camalear. A batata quente fica para Fernando Haddad, que terá de mostrar ser oposição a quem queria ter como aliado.

O PT entra em cena com uma cara nova. O PSDB não. Aliás, a última novidade apresentada pela coligação tucana nos últimos anos foi justamente Gilberto Kassab.

Mas o custo da novidade também causa problemas no partido. A ex-prefeita Marta Suplicy não dá mostras de se animar a entrar de cabeça na campanha. Mas o ponto alto da semana, no quesito companheirismo, foi dado pelo novo líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele disse o seguinte: “Eu defendo o PMDB para vice de Haddad, mas isso não pode ser colocado como precondição. (…) A questão da vice ou da cabeça de chapa tem de estar colocada para verificar quem tem maior viabilidade”. Ou seja, o parlamentar disse com todas as letras que está disposto a rifar seu candidato, caso a campanha não decole. Tatto era pré-candidato a prefeito em possíveis prévias internas de seu partido. Com a escolha de Fernando Haddad por Lula, o parlamentar teve de desistir da disputa. Ao que parece, mágoas ficaram. Se não forem resolvidas, poderão atrapalhar a campanha.

É bem possível que José Serra volte a levantar o estandarte da moralidade e dos bons costumes em sua campanha, como fez em 2010. Isso pode afastar setores mais esclarecidos do eleitorado, mas atrairá a direita e o conservadorismo paulistano. Se o fizer, levará a campanha para um nível próximo ao do esgoto. Mas é preciso ver também que o PT no governo quase nada fez para que temas como a descriminalização do aborto ou o combate a homofobia fossem debatidos abertamente com a sociedade. Diante da primeira reação da bancada evangélica, um governo que bate recordes de popularidade recuou. Nenhuma conferência nacional foi convocada, os ministérios dos Direitos Humanos e das Mulheres não tocaram no assunto e o tema está na geladeira.

Quem ganha?

Campanhas eleitorais nem sempre se pautam por disputas políticas explícitas. Aliás, um dos legados do período neoliberal foi justamente o de retirar de cena o caráter político não apenas dos enfrentamentos entre candidaturas e partidos, mas de decisões governamentais.

Como há uma agenda incontestável a ser seguida – envolvendo a supremacia do mercado, a prioridade dada ao pagamento da dívida pública, a privatização de bens e serviços e a contração fiscal permanente – as diferenças entre candidaturas e partidos passaram a se pautar por questões tidas como “técnicas” ou “gerenciais”. Quem fez o melhor programa de combate à pobreza? Quem construiu mais casas? Quem foi o melhor ministro disso ou daquilo? Quem privatiza melhor?

Quem sairá ganhando num quadro desses? Evidentemente os marqueteiros.

 

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).